loader

AUTOCONHECIMENTO

O estado de vigilância permanente não é fácil. É algo que se vai construindo até que se torne numa actividade mecânica como o respirar. No princípio pode parecer uma tarefa espinhosa. Mas é com um espinho, que da carne se retira outro espinho, e quando este for extraído, rejeitam-se os dois.

Estamos habituados a divagar mantendo a mente ocupada com ninharias, obsessões, fantasias, projectos e recriminações, sem que tenhamos viva consciência disso. Essa turbulência mental envenena a nossa existência, mas nada fazemos para a fazer cessar, bem pelo contrário, alimentamo-la abundantemente como fazemos com o fogo no Inverno rigoroso.

Autoconhecimento é caminho para um homem só, com as experiências em si vivenciadas. De nada nos servem as teorizações e interpretações alheias acerca do medo, do amor, do padecimento psicológico. É observação, e esta exclui juízos valorativos ou explicativos.

Observação na perspectiva do autoconhecimento implica vigilância constante de toda actividade mental e fisiológica perceptível. É uma escuta permanente dos estados afectivos e emocionais, dos gestos e atitudes, dos pensamentos e sensações que por si só, independentemente de esforço e resistência produzirão inevitavelmente transformações substanciais.

Somos quem somos e nessa descoberta fundamental que envolve o desvendar da estrutura da consciência e a percepção da efemeridade das nossas realizações, da frustração resultante da não satisfação dos desejos, dos caminhos do prazer e do sofrimento, estaremos a modificar-nos, sem saber que o fazemos ou sem querermos que tal aconteça.

A procura da diferença é já um obstáculo ao seu surgimento, porque o refreamento origina um problema idêntico ou mais poderoso do que aquele que se pretende aniquilar. Querer ser diferente do que se é, é causa de dor.
Se compreendemos quem somos, levando esta investigação às últimas consequências, despontará a sabedoria e quem sabe o amor que é sensibilidade e paixão por tudo e por nada.

Há o conhecimento que incide sobre objectos do exterior e o que se debruça sobre os pensamentos, sentimentos e fenómenos vegetativos internos. Quando escuto o pensamento não necessito de ficcionar qualquer separação entre o ego e uma qualquer outra entidade, tal como o “Eu superior” a agir a título de observador. Observador e observado são uma única pessoa.
A introspecção, que é análise realizada pelo próprio indivíduo relativamente ao conteúdo da sua consciência, é perniciosa por separar o observador do observado. A análise decompõe o todo no que consideramos os seus elementos e destrói o indecomponível.

Só o ser é válido. O querer ser é ilusão. Precisamos apenas de escutar o que somos sem querer agir modificativamente, adequando-nos a uma qualquer imagem ideal do vir a ser.
Observando o que somos, não há querer ser e em consequência, não há contenda interior.
A constante vigilância dos nossos pensamentos, estados de ânimo, emoções, sentimentos, é uma forma de apaziguar a mente.

A ânsia de preenchimento é fonte de dor. A necessidade de ser preciso e perfeito é doentia. Apenas o hábito é passível de aperfeiçoamento.  
Ser o que não se é, é hipocrisia, fuga à realidade.

Se instante a instante nos estamos a conhecer observando-nos, surge a sensibilidade, nasce a bondade, sem que tenham importância os erros e culpas do passado. No instante presente, não há lugar para o passado, sob pena daquele ser destruído na sua essência. Na observação da mente é fundamental que o passado deixe de existir.

O autoconhecimento leva à quietude da mente, uma quietude sem motivo. Quanto mais quieta, mais se manifestam as camadas profundas da consciência, levando à compreensão total do nosso ser.
No autoconhecimento produtivo, em que a mente silencia as correntes do pensamento, a rememoração é espontânea, por ser a sua própria causa e estar isenta de condições, não havendo assim que provocar a anamnese.

Quem pelo autoconhecimento atingiu todas as camadas da sua consciência, leu o grande livro da Vida, não lhe sendo exigível qualquer leitura de natureza psicológica.

A sabedoria não está no conhecimento acumulado em suportes físicos, nas vivências de outrem, mas no nosso interior e manifesta-se pela auto-observação continuada, que tem de atingir a consciência em todos os seus recantos, permitindo a livre expansão do material inconsciente, possível pela quietude que ocorre quando o pensamento cessa pela sua própria observação –.

Psicologicamente não só é desnecessária como também perniciosa a acumulação de conhecimentos. Esta deve restringir-se aos aspectos técnicos da existência.

O homem deve libertar-se das preocupações. Quer pela escuta, quer pela solução ou resolução imediata do problema.
Precisamos escutar a verdade a respeito de nós próprios, percepcionando todas as fugas que geramos, todas as ilusões, destruindo-as.

O autoconhecimento, ao conduzir-nos à profundidade do ser, destrói os deuses dos homens, as religiões, as filosofias, os partidarismos. Mostra a sua futilidade e origem, que se estriba no medo de estar só e da morte.
Leva à extinção dos condicionamentos. Esta, à liberdade, que por sua vez conduz à criação explosiva, a que só as crianças e os puros têm acesso.

Do livro “O Eterno Agora e a Revelação da Consciência”