A repertorização é o procedimento que mais inibe e desmotiva o estudante de homeopatia, levando-o múltiplas vezes ao seu abandono e instigando-o por inércia e desencorajamento à consulta de “repertórios”, que mais não são do que guias expeditos de prescrição sem qualquer correspondência com a doutrina hahnemanniana, constituindo-se antes como receitas de urgência à imagem e semelhança da medicina alopática com resultados duvidosos e altamente falíveis.
Nesta perspectiva, damos a seguir um procedimento repertorial, que se pretende simples e eficaz e que tem produzido frutos na nossa actividade prática, sem que olvidemos ainda que sinteticamente os passos necessários à sua execução – constatará a repetição de conceitos já explanados noutros artigos, repetição essa, que não pecará por excesso, atenta a importância dos mesmos – .
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SINTOMAS
Os sintomas característicos do paciente são muito mais importantes do que os sintomas e sinais da doença.
Conforme ensinou Kent, temos de considerar em primeiro lugar o homem no seu centro, nas suas funcionalidades intelectuais, afeições, sintomas físicos gerais, para só depois deslocarmos a nossa atenção para a periferia, nos sintomas locais ou particulares. Iniciando a investigação do Homem em si mesmo, pode ocorrer que os sintomas locais não estejam descritos na patogenesia do medicamento apurado, mas o remédio cura o enfermo – em homeopatia não há doenças, mas doentes – e estes desaparecem.
Os sintomas comuns, que surgem em múltiplos experimentadores de uma dada substância e caracterizam uma patologia sem que estejam modalizados, têm reduzido valor na repertorização, bem como na pesquisa ulterior do simillimum, ao contrário dos incomuns, que são peculiares, raros e estranhos.
Os sintomas característicos, individualizam ou caracterizam o paciente no âmbito da totalidade sintomática, estando geralmente associados a modalidades de melhoria e agravamento.
Os peculiares são antes do mais, sintomas característicos, específicos de alguns medicamentos ou do próprio paciente.
Os raros, só muito raramente se verificam no repertório e são constituídos por rubricas com um número igual ou inferior a três medicamentos.
Os raríssimos ou Keynotes, encontram-se em rubricas com apenas um medicamento.
Os sintomas biopatográficos – transtornos por... – têm grande importância, porquanto explicam na sua essência mais profunda a origem da patologia que nos propomos curar.
Os mentais, caracterizam no essencial um indivíduo e são auxiliados nesta tarefa pelas suas aversões e desejos, bem como pelo seu comportamento e reacção aos elementos naturais. Estes, devem ser sempre utilizados para a selecção final do medicamento.
Os sintomas gerais representam o homem como um todo, na sua globalidade de entidade viva. Quando o paciente se exprime na primeira pessoa do singular, podemos estar quase certos que se refere a um sintoma geral: “Eu” tenho frio; “Eu” tenho sede. Segundo Kent, estes sintomas quando modalizados, são os que melhor se adequam à repertorização fundamentada no método de eliminação ou cancelamento. Também Hahnemann havia ressaltado a sua importância.
Os locais ou particulares têm uma localização específica, pertencendo em regra a um determinado órgão ou parte do organismo. Quando examinamos a parte, examinamos o particular. Se o paciente usa o pronome “Meu”, está quase sem excepções a referir-se a um sintoma local: O “meu” estômago arde, o “meu” intestino não funciona, tenho dores insuportáveis na “minha perna” quando me levanto.
Os patognomónicos são os que respeitam à doença.
Resumindo:
CARACTERIZAÇÃO DO PACIENTE
Sintomas Mentais.
Aversões e Desejos.
Comportamento e reacção aos elementos naturais e outros sintomas gerais.
SINTOMAS
Característicos – que caracterizam o paciente – 11 a 40 medicamentos nas rubricas de um repertório como o de Kent, Ariovaldo, Aldo Farias Dias, ou no Sihore.
Peculiares – do paciente ou do medicamento – 4 a 10 medicamentos.
Raros – 1 a 3 nas rubricas repertoriais -.
Raríssimos – keynotes – 1 medicamento.
Sintomas do ser vivo e sinais do cadáver.
Sintomas explicáveis e inexplicáveis.
Sintomas absurdos.
Sintomas comuns e indefinidos – tristeza, ansiedade –.
Sintomas modalizados.
Sintomas gerais.
Sintomas locais
Sintomas patognomónicos.
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Depois do enfermo ter fornecido a história detalhada dos seus padecimentos, do prático ter obtido todas as informações necessárias ao procedimento sobre os mesmos, interrogando-o acerca dos sintomas etiológicos, mentais, gerais e sobre os diferentes aparelhos, bem como das respectivas modalizações, para além de ter determinado o histórico da doença e os antecedentes pessoais e familiares, haverá que transformar a linguagem daquele em linguagem repertorial, destrinçando os eventuais sentidos de rubricas similares, valorizando e hierarquizando os sintomas que são caracterizadores da sua individualidade – sintomas incomuns, característicos, raros, estranhos ou inexplicáveis, peculiares e repetitivos – .
Contrariamente ao paciente que apresenta sintomas bem chamativos e modalizados da esfera mental ou gerais, surgem-nos alguns com uma imensidão de queixas, a maior parte das quais sem qualquer importância repertorial – devendo neste caso o homeopata seleccionar os mais antigos e repetitivos – e outros com um número bastante elevado de sintomas que respeitam apenas a uma das categorias – valerá aqui, o mais antigo e convenientemente modalizado – .
VALORIZAÇÃO DE SINTOMAS
Valorizar um sintoma, não é proceder há sua hierarquização. Um sintoma pode ser bastante pertinente, e não obstante pode não vir a ser utilizado.
Ex. de valorização:
I – Criança com medo da morte, do escuro, desejo de gorduras e aversão por doces.
Não temos dúvida alguma quanto à bondade de tais sintomas. No entanto, reteremos:
Medo da morte e aversão por doces.
II – Se considerarmos um adulto com os sintomas seguintes:
Medo da morte, do escuro, desejo de gorduras e desejo de doces, reteremos »
Medo do escuro e desejo de doces.
No nosso método de repertorização, procurámos isolar os sintomas relevantes em dois grupos, exigindo-se um mínimo de quatro para o primeiro grupo, e de dois para o segundo – o ideal serão três, desde que o paciente apresente sintomas locais relevantes – que devem ser previamente hierarquizados segundo o esquema infra: O primeiro, engloba a biopatografia, os mentais e os gerais modalizados, enquanto que o segundo se limita aos sintomas particulares ou locais.
Podem ser repertorizados no primeiro grupo, verbi gratia:
No segundo, escolheremos dois ou três sintomas, mas sempre dando preferência à hierarquização apontada.
Deveremos sempre tomar em linha de consideração que as rubricas não devem possuir um pequeno ou elevado número de medicamentos, dando-se em regra preferência aos de maior pontuação – Grau I e II – . As rubricas com um pequeno número de medicamentos – sintomas raros e raríssimos – serão utilizados complementarmente no final da repertorização, para verificação de correspondências medicamentosas.
No domínio do agudo, quando são narrados sintomas que se prendem única e exclusivamente com a enfermidade que urge debelar com rapidez, o homeopata seleccionará um mínimo de três sintomas, procurando sempre valorizar os incomuns e os modalizados, mas não, sem que antes se esforce por encontrar pelo menos um sintoma característico do primeiro grupo, que poderá apresentar carácter eliminatória – lembramos aqui a distinção quase essencial dos medicamentos que agravam predominantemente pelo frio, dos que agravam pelo calor –. Não deixará também de atender à pontuação dos medicamentos, fazendo aproximar este método do de Hering – regra do tripé – .
Estas regras não são de forma alguma rígidas. A experiência ditará a cada um aperfeiçoamentos e técnicas próprias de repertorização, provavelmente muito mais perfeitas e geradoras de melhores resultados.
I - PRIMEIRO GRUPO
Alcoolismo (dipsomania), decepção de amor, ansiedade por antecipação, choque mental, ciúme, cólera, contradição, humilhação, mortificação, más notícias, saudade, remorso, susto, luto, traumatismos (ferimentos, acidentes), humidade, calor, etc.
1.2.1 – MEIO AMBIENTE – Aqui anota-se a forma como o paciente reage de modo global ao meio natural envolvente:
mudanças de tempo, temperatura, calor , frio, humidade, correntes de ar, etc.
1.2.2 – DESEJOS E AVERSÕES ALIMENTARES – Nesta rubrica, não podemos valorizar uma mera apetência ou desagrado,
mas antes, a necessidade premente ou a repugnância de determinados géneros alimentícios.
1.2.3 – FUNÇÕES FISIOLÓGICAS – Apetite, evacuações, menstruação, micção, sede, sexualidade, sono, transpiração, etc.
1.2.4 – LATERALIDADE – Direita ou esquerda.
1.2.5 – SENTIDOS – Alterações da audição, olfacto, paladar, tacto e da visão.
1.2.6 – POSIÇÃO – Anotam-se neste item a influência das posições no estado geral do enfermo: deitado, em pé, sentado,
no sono, etc.
1.2.7 – MELHORIAS E AGRAVAÇÕES ALIMENTARES – Não se trata aqui de aversões ou desejos, mas dos alimentos que
agravam ou melhoram o paciente.
II – SEGUNDO GRUPO
SINTOMAS PARTICULARES
2.1 – SINTOMAS INCOMUNS – Estes são os raros, estranhos e peculiares. Por exemplo, podemos tomar o caso de um
paciente que tem uma dor de cabeça que alivia quando a aperta fortemente com as mãos ou com um pano.
2.2 – SINTOMAS MODALIZADOS – Exemplo: náuseas quando viaja de barco.
2.3 – SINTOMAS NÃO MODALIZADOS - Dor de cabeça, náuseas. De valor muito reduzido.
2.4 – PATOGNOMÓNICOS – São os que respeitam à doença e que como tal possuem muito pouco valor, tais como febre alta
numa gripe ou secreção nasal durante rinite.
É a modalização, determinando em que circunstâncias melhora ou agrava o sintoma ou a totalidade sintomática do paciente, que torna o sintoma característico e que o valoriza na escala hierárquica.
Determinados os medicamentos que cobrem na totalidade – ou quase na totalidade – os sintomas do caso clínico, haverá que proceder ao seu estudo nas matérias médicas, de forma a encontrar a correspondência que conduzirá o enfermo à cura.
Os sintomas rejeitados, quer pelo seu valor relativo quer por constarem de rubricas com um número muito reduzido de medicamentos, irão auxiliar-nos no diagnóstico diferencial e consequente escolha do simillimum.