Este é um livro único que engloba um conjunto de exercícios e métodos referenciados a várias religiões e atitudes tendentes ao despertar da sensibilidade e da espiritualidade.
Sintético e prático, instiga-nos de imediato à meditação, pela consciente abertura do espírito, à Natureza, aos Outros e ao Universo.
Transcrevemos a seguir a sua “Introdução”. Para uma síntese dos exercícios, veja-se o artigo “Introdução à Meditação”, Meditação/Espiritualidade.
INTRODUÇÃO
Este pequeno manual engloba um conjunto de exercícios e métodos referenciados a várias religiões e atitudes, tendentes ao despertar da espiritualidade e da sensibilidade. Não traz nada de novo, para além da experiência pessoal constante dos denominados exercícios de consciência, muito em especial dos de Consciência Constante, que não é obviamente inovadora na íntegra, já que “não há nada de novo debaixo do Sol”. A sua diversidade prende-se com as múltiplas mundividências e não representa um assentimento do autor ou uma aceitação sem reserva dos mesmos. No entanto, considerando eventuais preferências individuais, procurámos satisfazer o maior número possível de interessados, detentores de uma profunda religiosidade, agnósticos ou mesmo ateus.
Vamos escrever o menos possível. O mundo está repleto de doutrinas estéreis, sistemas filosóficos e teorias teológicas desfasadas da realidade e dos anseios do homem.
Há excesso de palavras, um ruído constante e destruidor. É pela síntese e não por uma despropositada e imensa teorização, que somos imediatamente instados a uma prática produtiva. A nossa pretensão é que o leitor inicie ou desenvolva a prática da meditação. Que evolua com carácter de urgência das meras palavras à execução, o que eventualmente o poderá conduzir a uma existência mais equilibrada, saudável e tranquila, no respeito e amor de si próprio e pelos outros seres.
As maiores verdades filosóficas só são realmente grandes, quando podem ser vivenciadas. Mesmo assim, estão limitadas pelo pensamento, que por sua vez, se encontra limitado pelo espaço-tempo, condicionamento que urge ultrapassar.
Tenho encontrado muita gente, que séria e respeitosamente tem lido ao longo dos anos, dezenas, senão centenas de livros cujo tema é a meditação, sem que se tenha aventurado no exercício continuado da mesma. Tal atitude deve-se fundamentalmente a uma multiplicação de métodos e excessos óbvios de teorização, devendo-se os primeiros a adaptações de técnicas ancestrais comprovadas pelos genuínos místicos da humanidade e os segundos à necessidade de preenchimento e busca de prestígio dos próprios autores, dando por inovador o que na realidade mais não é do que plágio modificado, apresentado em textos com extensas considerações, de forma arrazoada. É de todo natural, que na presença de tão conturbado panorama, poucos se aventurem a “comer o fruto”, quedando-se antes por uma inércia ou inibição, que deriva fatalmente da insegurança gerada pela aniquilação da simplicidade.
Proliferam seitas, mestres e gurus, que pululam entre o Ocidente e o Oriente vendendo beatitude, paraísos empacotados, nirvanas promocionais, quando práticas ancestrais de fácil execução são de todo suficientes para expandir a nossa consciência, levando-nos à compreensão da realidade do mundo interior e exterior, e isto, sem a complexa doutrinação vertida em centenas de páginas e milhares de palavras vazias de acção, mas plenas de enganadoras esperanças.
No meio de cenário tão diversificado acreditemos apenas nos resultados das nossas experiências e vivências. Não deixemos que sejam os outros a mastigar o fruto por nós.
Assim, experimente os exercícios segundo uma ordem pré-estabelecida ou aleatoriamente, em conformidade com os seus interesses intelectuais, aspirações, personalidade e carácter, depois de numa primeira fase os ter lido ainda que superficialmente. Essa primeira leitura terá uma função meramente orientadora, indicando por via intuitiva a vereda a escolher no sinuoso caminho para o cume. O tempo que dedicar aos exercícios que escolher não pode ser determinado por outrem. Encontrará certamente o ponto de equilíbrio, sem olvidar que a meditação não deve ser em caso algum uma prática mortificadora, mas antes gratificante.
No entanto, não fique por aí. Não se conforme, dando como verdade adquirida o que mais não é do que o espinho com que da carne se retira o outro espinho. Cumprida a sua função, rejeitam-se os dois, lançando-os ao fogo.
Este é um trilho para um “homem” só. O mestre apenas o estreita, fazendo-o desequilibrar, com a inevitável queda no abismo de que só se libertará a muito custo.
Transforme-os. Crie. Destrua-os sempre ou logo que julgue necessário.
Ninguém lhe pode prometer a iluminação, o despertar, a beatitude.
Ninguém lhe pode oferecer o que a sua própria mão encerra. Basta que a abra: ninguém a pode abrir por si.
É pela experiência directa, e só por esta que podemos ter acesso à sabedoria. Nenhum sistema, ideologia ou mestre o pode fazer por nós. Não precisamos de gurus, necessitamos sim, de os aniquilar definitivamente.
No domínio da espiritualidade mais profunda, procura-se a cessação da actividade mental, que entre outras pode ser provocada pela:
Quando todos os pensamentos tiverem cessado, resta a consciência pura, a tranquilidade do silêncio que conduz à libertação.
Mas este silêncio não deve ser inacção absoluta e alheamento da realidade. Antes, o pressuposto de uma visão límpida e pura, quer do nosso interior quer do todo circundante.
Os grandes místicos nunca pretenderam na sua “peregrinação” destruir a inevitável ligação entre o que em nós pode ser qualificado como interior e a realidade. Se em rigor, todas as grandes questões têm a sua resposta nas profundezas do nosso ser, estas não podem ser alheadas da eterna conexão do binómio interior-exterior, consciência-realidade, que é uma única manifestação da vida globalmente considerada, a mesma face da mesma moeda. O “homem santo” é como terá dito Buda, o que tem capacidade para estar verdadeiramente presente em todos os segundos da sua existência. E esta presença só pode ser total.
Meditar é mergulhar na realidade, com todo o nosso ser, tornando-nos unos, tal como a raiz se une ao tronco e este à copa da gigantesca e magnífica árvore da vida. Com a meditação expandimos a nossa consciência ao infinito.
O nosso sofrimento manifesta-se entre outros, pelo terrífico sentimento da individualidade, consubstanciado na afirmação do “ego”, pelas nossas aversões e apegos, respectivamente com as inerentes fugas ao que nos é penoso e desagradável e com a identificação da necessidade de dar continuidade ao prazer ou vivências aprazíveis, e pelo medo da morte, que enforma e enraíza nas profundidades da nossa mente todos os outros medos.
O “ego” é uma doença infecciosa de rápida proliferação, que urge destruir para que desapareça a nociva ideia de dualidade, dividindo o que é indivisível – o interior do que nos é exterior –.
A aversão é um combate violento contra tudo o que nos afecta e torna inseguros. É um evitamento, que muitas vezes se estrutura na fuga do inevitável.
Os apegos geram hábitos viciantes, que destroem a nossa liberdade. Quando nos apegamos a coisas ou pessoas, sofremos psicologicamente, quer pela sua efectiva perda quer pela eventualidade de tal facto vir a ocorrer, numa exacerbada ansiedade por antecipação obnubiladora da actividade mental, que deixa de dirigir a sua imensa energia para o instante presente e para a realidade. Por isso, diz-se, que “uma alma habituada é uma alma morta”. É fantástico não contarmos com ninguém para a resolução dos nossos problemas, percepcionar que “nascemos para nós e morremos sozinhos”, independentemente do amor e compaixão que possamos derramar indiferente e indiscriminadamente no Cosmos.
Para além do sofrimento causado pelo “ego”, aversões, apegos e medos, o nosso contacto com o mundo é doloroso. O frio, o calor, a fome, a doença, a miséria, a dor física e moral, as mais variadas contrariedades, as paixões, os desejos não satisfeitos, a velhice e a morte desgastam a existência e envolvem-na numa infelicidade quase permanente. São muito poucos os momentos de intensa alegria reservados aos seres humanos, assim como a paz que almejam é constantemente derrotada por uma profunda ansiedade e corrosiva angústia.
Essencialmente, a doença, a dor psicológica, a pobreza, a miséria, a velhice e a morte, constituem-se como sofrimento, que é uma constante na vida do ser humano:
O medo da morte é um dos mais poderosos e estáveis. A maior parte do mundo vive negando-a ou simplesmente aterrorizado por ela. Tememos perder o que temos e deixar de ser quem somos. Para lá desse momento tudo é uma incógnita. Estamos no domínio do mistério, da maior das inquietações.
O medo da morte apenas se desvanece quando o escutamos atentamente, de modo pleno, integral, mergulhando nas suas raízes pela intuição que não é provocada, mas antes, livre e espontânea. Não há outra forma. Os mecanismos do recalcamento, da sublimação e da compensação, apenas o fortalecem. Há que o escutar na tranquilidade que advém de uma mente isenta de comparações, interpretações e julgamentos.
A riqueza é apenas meio idóneo ao afastamento da pobreza e da miséria.
O dinheiro não o torna mais rico, mas menos disponível para o Belo, por via do apego e da ambição, do desejo, que é ilimitado, insaciável.
O progresso e o desenvolvimento tecnológico têm gerado culturas e civilizações cruéis, desmedidamente ambiciosas, não fraternas e isentas de solidariedade e de amor.
Os bens materiais não terminam com algumas das doenças mais graves, a dor psicológica, a velhice e a morte. Por isso, se os possui, não se deixe possuir por eles. O problema não está no que temos e quem somos, mas no egoísmo, na avareza e na vaidade.
Convença-se que está de passagem neste planeta, grão de poeira no Universo observável.
Não desperdice a vida. O cemitério está cheio de homens ricos e poderosos, acantonados lado a lado com pobres e desconhecidos.
A glória é efémera e a riqueza vã.
Busque incessantemente a Beleza, a Realidade. Consuma a vida, não permita que seja esta a consumi-lo. Medite, porque a meditação é a coisa mais importante da vida. Meditar, é antes do mais, consciente abertura do espírito a si mesmo, ao mundo da natureza, aos outros e ao Universo. É uma presença atenta de cada momento, que não se identifica nem com um exame interior nem com a reflexão, em que com o tempo, a zona de silêncio do nosso cérebro – os 80 a 90% não utilizáveis – passa a cooperar no milagre da descoberta do nosso interior e do que nos envolve.